quinta-feira, 19 de maio de 2011

A Mulher de Xadrez.....uma crônica muito inteligente e divertida.

O Paulistano têm um caso de amor com os shoppings centers. Bastou o céu fechar e lá vamos nós para aquela fila do estacionamento, claro, do registrador automático que não devia parar mas para. E também corremos pra lá quando está muito sol, pouco vento, frio demais, véspera de natal, quarta feira de cinzas... não importa a situação. Vamos as compras. Um amiga que encontrei num desse momentos chatos, um enterro, me disse ao final da cerimônia: “Vamos ao shopping? Preciso de um ar fresco”. Mas eu já recebi convites mais interessantes em velórios e enterros. Num deles fui convidado pra uma macarronada no Guarujá. Declinei, estava fora de forma. 

Como não sou diferente de ninguém lá estava eu também tentando encontrar uma loja de roupas para homens que passaram um pouquinho só da meia idade e também do peso. Não tem. Na televisão usam modelos magrinhos, jovenzinhos, cabeludinhos, esquecendo que dentro de não muito tempo, todos eles estarão todos mais gordinhos. A cintura da estação é fina, e a roupa é SHAPE. Minha cintura atual é MILKSHAKE.

Que coisa, quando eu era jovem não tinha dinheiro pra comprar roupas e agora que tenho, não tem roupas pra comprar. Não é justo. Ou melhor, é muito justa, a tal da roupa. De loja em loja, umas são até interessantes e modernas, mas o 42 de hoje é o 38 de ontem, e a numeração só vai até o 44. Me olho no espelho do provador e me acho parecido com um panetone: fininho embaixo e com aquela massa saltando pra fora em cima. E as cores?! Em loja de roupa masculina de tamanhos maiores só tem azul marinho, marrom, preto e camisas brancas, claro. Parece loja de carro: “Temos preto e prata”. Somos todos tão parecidos, não somos? Uniformizados em nossos jeans, com nossos carros pretos e pratas. O meu é preto, na próxima troca, adivinha!

E assim eu ia de vitrine em vitrine, quando de repente senti uma presença ao meu lado. E presença é uma palavra bastante adequada. A senhora em questão, de cabelos curtos e tintos de um vermelho chamado “da moda” tipo o molho da macarronada do cemitério. Muito branca e de baton grená, a curiosa criatura usava ainda um vestido xadrez verde, vermelho e cinza, envolvendo seus dois metros, de cintura. Uma inquietação. 

Me lembrei de uma poesia do Vinícius “Trazes a cabeça nos ombros, qual escura rosa sem aste”. A mulher de xadrez era o exato oposto, de longe parecia um cup cake gigante embrulhado pra presente com um cereja peluda em cima.

Quando ela seguiu seu caminho balançando de um lado para o outro foi impossível não segui-la. O que ela estava procurando? Lingerie? Uma sorveteria? Eu tinha que descobrir. Fiquei paralisado com tanta atitude. Um amigo que entende muito de moda sempre me diz: “Moda é atitude”. Assim sendo, e considerando que nunca estive pessoalmente com Lady Gaga, jamais tinha visto alguém tão na moda, de tão perto.

Tentei manter uma distância segura. Observei o salto dos sapatos, muito grossos, mas não muito altos. O tubinho por assim dizer estava perfeitamente cortado, em formato de capa de botijão. Ah, você não é do tempo da capa de botijão? Era assim: não existia gás encanado, a gente tinha que comprar num caminhão que passava na rua terça sim, terça não, nos brindando com uma melodia a-do-rá-vel! Acordei muitas vezes com aquilo, ou com o barulho dos amaldiçoados botijões batendo uns nos outros, que me garantiam logo cedo que o dia ia ser uma merda. O tal equipamento cheio de gás, ficava muitas vezes ao lado do fogão, ligado a este por uma mangueirinha de plástico, e para disfarçar o conjunto, as tias e avós de plantão produziam uma roupinha cheia de babados que envolvia o objeto em questão transformando-o assim em uma de decoração na cozinha. Junto com o pinguim de geladeira e o saco de pão, são coisas das quais não tenho orgulho nenhum de ter conhecido. 
  
Ôpa, ela parou. Diante do balcão de sorvetes. Eu acertei, ela procurava... um sorvete. Não. Pediu uma informação ao atendente, que apontou o dedo em minha direção. Teria ela perguntado: “alguém está me seguindo?”. Virei de costas imediatamente num reflexo idiota. Dei um encontrão numa japonesa que vinha atrás de mim e quase caí num carrinho de bebê, por sorte vazio. Quando terminei de pedir desculpas, onde estava a encantadora senhora? Perdi. Olhei avidamente ao redor procurando uma cabeça vermelha. Não, não. Me referia a dela. Caminhei alguns metros no corredor virei a direita, a esquerda, mas não encontrei mais o santo graal da estamparia.

Como pude perder de vista algo tão singular? Todos olhavam pra ela quando passava imponente como um estandarte. Durante o tempo em que a observei, nenhum gesto fora de seu compasso grandioso. Desfilou com nota dez de evolução.

E me bateu uma enorme inveja. 

Fora dos padrões, alheia aos olhares ao seu redor, a mulher de xadrez, me deu uma grande lição. Nós hoje vivemos esse mundo onde nos cobram personalidade, e nos empurram padrões e comportamentos. E quando nós resolvemos ser diferentes e ter atitude, somos a mulher de xadrez, o alvo dos olhares, da curiosidade, do desdém e das piadas.

Não comprei nada hoje. Saí do templo resignado em direção ao meu carro preto rodeado de tantos outros carros pretos, vestindo meu jeans igual ao das outras pessoas ao me lado.

Felicidade neste momento? Um carro amarelo, uma calça xadrez, um boné vermelho e muita personalidade.

uma crônica de Fernando Rodrigues
19 de maio de 2011


Fernando Rodrigues,  é Administrador Financeiro, Artista Plástico e agora arriscou escrever crônicas do nosso cotidiano... e acertou em cheio.

2 comentários:

  1. Ao ler as coisas do Fernando, tenho a impressão de estar assistindo a um bom filme. Narrativa rica, interessante e bem humorada.
    Alô editora Abril !!! Uma boa opção para a última página da Veja SP.
    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Realmente você tem razão ele, também, escreve muito bem. Infelizmente a última página da Veja já tem dono. Muito obrigado pelo comentário. Vamos torcer para em breve sejamos presenteados com outra.

    ResponderExcluir